Agora Acre.com

Movidos pelo sonho de prosperidade, moradores de Porto Walter lutam por estrada que tire o município do isolamento

Sonhar. Termo que, no dicionário, faz alusão à ação que expressa o desejo de materialização de ideias e projetos. No coração da Amazônia, o sonho do progresso é renovado pelos habitantes de Porto Walter, ao longo dos seus 33 anos de emancipação política, período que é marcado pela resistência às barreiras e atrasos impostos pelo isolamento geográfico.

Mas, além de sonhar, o portowaltense luta por alternativas que promovam desenvolvimento e oportunidades à sua terra. Atualmente, o projeto de construção de estrada que interligue o município a Cruzeiro do Sul, coração econômico da região, é pauta prioritária de famílias, trabalhadores, empreendedores locais, e até mesmo de gente que habita em outras localidades do Alto Juruá.

Nesta matéria especial do AgoraAcre, veja relatos e histórias que reforçam a importância da abertura da estrada vicinal para o desenvolvimento da vida em Porto Walter.

Encurtar distâncias

Quando o trajeto entre Porto Walter e Cruzeiro do Sul é feito pelo Rio Juruá, o percurso pode durar até cinco horas ou dias, a depender da estação do ano e do nível do manancial.

Atualmente, a locomoção entre os municípios é realizada por meio de transporte aéreo ou fluvial. O primeiro apresenta custos altíssimos e é inacessível à maioria da população; o segundo, que é o mais popular, transforma em desafio a logística da viagem, durante o período de estiagem, com horas de navegação sobre o Juruá, causando acidentes e perdas materiais de embarcações e passageiros.

Registro de traçado construído desviando Terra Indígena, em Porto Walter. Foto: Deracre

A solução para superar o gargalo é apontada pelo produtor rural Edvaldo Nogueira, que atua com a criação de gados e aves na região. “A estrada representa a única solução para o problema do isolamento social e geográfico enfrentado por esse povo. É um caminho viável para o progresso e qualidade de vida, e trará mais acesso aos serviços de saúde e educação para esse gente sofrida”, argumenta.

Edvaldo: “Por que estão nos negando o direito à estrada?”. Foto: cedida

O produtor afirma que os embrolhos envolvidos na construção da via fere um direito que lhes é garantido na Constituição. “Estão negando o nosso direito de ir e vir. Não acho justo passar horas viajando de barco, para Cruzeiro do Sul, tendo a alternativa de realizar o percurso em pouco tempo com carro ou moto. A estrada representa vida, e sem ela entendemos que estamos ‘sentenciados à morte’. Por que estão nos negando esse direito?”, questiona Edvaldo.

Além de Porto Walter, estrada beneficiaria regiões vizinhas

Na visão de Jorge Luiz de Moura, de 32 anos e morador de Cruzeiro do Sul, a construção da estrada, além de melhorar a vida em Porto Walter, trará benefícios para moradores de regiões adjacentes, como é caso de Marechal Thaumaturgo, município vizinho e onde a família atua com vendas de estivas em geral, açougue e material de construção.

Ele relata que, a cada ano, aumentam os gastos com transporte da mercadoria para Marechal Thaumaturgo. “Com o passar do tempo, o Juruá diminui o acesso às grandes embarcações, permitindo que realizemos o transporte da mercadoria em embarcações menores, o que eleva os gastos com combustível e faz com que haja uma demora no abastecimento em Marechal”, explica. “Há viagens em que perdemos mercadoria e motor, o barco é furado por troncos de árvores submersos no rio. É um sofrimento”, completa.

Transporte pelo rio encarece os produtos em decorrência da logística difícil. Foto: cedida

No final, quem paga a conta é o consumidor. “Com toda dificuldade, é impossível vender o produto com valores mais baixos, porque os nossos gastos são grandes”, expõe.

Realidade que seria diferente caso haja em definitivo uma via que ligue Porto Walter à segunda maior cidade do Acre. “Eu lembro que, em 2024, a gente conseguiu transportar de carro o frango e a verdura até a comunidade Vitória, que fica um pouco acima de Porto Walter e também era onde se encerrava o acesso ao ramal que estava aberto. De lá, a gente levava os produtos em canoas de pequeno porte até Marechal Thaumaturgo, realizando o trajeto durante duas semanas, para atender a demanda. Apesar das condições ruins do ramal, os produtos foram vendidos por preços bem abaixo aos consumidores”, detalha.

Abertura de novos horizontes

Luquécia Martins, professora em Porto Walter, trava, com frequência, batalhas para propiciar ao filho, José Luiz, tratamento destinado às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A falta de profissionais no município, como neuropediatra e fonoaudiólogo, obriga a genitora e seu filho a enfrentarem os desafios da viagem para Cruzeiro do Sul, localidade onde há oferta dos serviços. O transporte de barco ou canoa, que é o que cabe no orçamento da família, agrava o transtorno em José, pois o barulho de motores das embarcações lhe causa desconforto e irritação, em decorrência da hipersensibilidade sensorial auditiva, deixando-o agitado e irritado durante o percurso.

Para Luquécia, a construção da estrada abriria novos horizontes ao tratamento do filho, e, numa escala maior, à chegada de novos serviços de saúde no município.

Estrada facilitaria acesso a serviços de saúde. Foto: Asscom/Prefeitura

“É muito doloroso ver o meu filho necessitando de tratamento e não ter acesso porque o ramal [estrada], que poderia nos ajudar, não está aberto”, frisa.

Na visão da educadora, o acesso representa, acima de tudo, uma oportunidade de uma vida mais digna a crianças do município. “Por isso, peço aos órgãos competentes que olhem com carinho para essas crianças que precisam tanto de terapias e tratamentos semanais. Quem realmente necessita são os nossos filhos. A liberação e construção desse ramal vai viabilizar esse direito para elas [crianças], sem que precisem sofrer em viagens no rio, dentro de barcos ou canoas e expostos ao desconforto”, observa.

Solução pede sensibilidade

A construção da estrada, em defenitivo, é desejo antigo dos moradores e pauta que transita entre gestões do passado e presente em Porto Walter. Mas, atualmente, há percalços judiciais que travam o projeto, apesar da obra ter sido iniciada, nos últimos anos, com abertura de mais de 80 km do ramal, e, posteriormente, atendendo às diretrizes de preservação ambiental, com a construção de traçado de 3, 8 km desviando a estrada da Terra Indígena (TI) Jaminawa do Igarapé Preto.

Porém, com a continuidade do debate sobre a legalidade da obra e denúncias de supostas irregularidades, a justiça determinou o fechamento do ramal.

Moradores pedem sensibilidade do poder judiciário na resolução do problema. Foto: AgoraAcre

Em dados atualizados, ao todo são 87 km de ramal entre Porto Walter e o município mais próximo, que é Rodrigues Alves. Desses, 33 km precisam de autorização judicial para receber os serviços.

A expectativa da população é que o diálogo sobre o tema permaneça, com a finalidade de solucionar o problema da dificuldade de acesso ao município. Uma das propostas diz respeito à realização de uma consulta, feito pelo poder judiciário, à população e aos povos originários, para que, a partir disso, aponte-se uma solução que atenda os anseios e reduzam os impactos na vida dos portowaltenses.

Matéria produzida por Clarice Barbosa, com colaboração de Eliel Mesquita. Foto de capa: Asscom/Prefeitura

Não utilizamos inteligência artificial (IA) para escrever os textos de nossas matérias. As produções são frutos da competência, dedicação e talento de nossos repórteres.

Sair da versão mobile